Relator: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR
Órgão julgador:
Data do julgamento: 12 de novembro de 2025
Ementa
EMBARGOS – APELAÇÃO CÍVEL - PORTO DE SÃO FRANCISCO - GRATIFICAÇÃO DE RISCO PORTUÁRIO - DISPENSA DA FASE DE INSTRUÇÃO PELA PARTE - PRECLUSÃO LÓGICA - AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. 1. A parte tem direito à instrução, uma decorrência do devido processo legal. Mas cabe ao magistrado gerir o processo, avaliando a necessidade e a pertinência dos requerimentos das partes. Além disso, descabem comportamentos contraditórios: se o litigante abdica de um meio de prova, não pode depois retroceder; houve preclusão lógica (TJSC, ApCiv 0003372-08.2012.8.24.0061, 5ª Câmara de Direito Público, Relator para Acórdão HÉLIO DO VALLE PEREIRA, D.E. 14/07/2022).
EMENTA: APELAÇÃO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. [...] PRECLUSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DOS DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS ARROLADAS PELOS APELANTES. VÍDEOS QUE DEMONSTRAM OS PROCURADORES DOS AUTO...
(TJSC; Processo nº 0301261-67.2017.8.24.0007; Recurso: embargos; Relator: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 12 de novembro de 2025)
Texto completo da decisão
Documento:6911773 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 0301261-67.2017.8.24.0007/SC
RELATOR: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR
RELATÓRIO
Por brevidade, adota-se o relatório da sentença, redigido nos seguintes termos:
Cuida-se de Ação de Rescisão de Contrato Cumulada Com Reitegração de Posse e Reparação de Perdas e Danos ajuizada por Construtora e Incorporadora Spindola LTDA, qualificada, contra M. H. D. S., qualificado, e M. C. D. S., qualificada, descrevendo haver celebrado a venda de uma unidade imobiliária situada no Edifício Residencial Ana Beatriz ao primeiro Requerido, contrato celebrado em 25/06/2012, pelo importe total de R$ 301.152,49. Descreveu encontrar-se impaga a última parcela do preço, no importe de R$ 172.152,79, em atraso desde a data da entrega das chaves ocorrida em novembro de 2014. Em razão dos fatos, pleiteou a reintegração na posse do imóvel de imediato, com posterior rescisão do contrato, bem como a condenação dos Requeridos ao perdimento das arras, ao pagamento de aluguéis iniciados na entrega das chaves (30/11/2014) até a desocupação do imóvel, pagamento de 0,5% (meio por cento) do preço, por mês, pela depreciação do imóvel, calculado a partir da sua respectiva imissão na posse, conforme parágrafo primeiro da cláusula 5 do contrato, a condenação ao pagamento do IPTU, condomínio, luz, água e esgoto referentes ao tempo da posse, além da condenação ao pagamento de 10% sobre o valor do imóvel a título de indenização por perdas e danos.
A liminar restou indeferida, em razão da necessidade de melhor esclarecimento dos fatos.
Citados, os Requeridos apresentaram Contestação, Evento 30, em que alegaram que a recusa na realização do pagamento se deu unicamente ante a impossibilidade de financiamento do importe, possibilidade assegurada pelo Contrato, porém obstada pela existência de débitos fiscais e trabalhistas inadimplidos pela Requerida, que inviabilizaram o financiamento do bem. Alegaram ainda que o imóvel foi entregue em atraso, motivo pelo qual são credores de indenização correspondente à mora. Afirmaram, por fim, que dentro de pouco tempo o bem apresentou problemas estruturais, pelos quais requerem abatimento no preço. Formularam Reconvenção.
A Requerente apresentou Réplica e Contestação à Reconvenção, no Evento 34, alegando que o Contrato previu somente a possibilidade de financiamento, não a necessária realização deste. Argumentou ainda que não há prova documental de que o financiamento do Requerido foi negado por tais motivos. Por fim, afirmou que inexistem defeitos estruturais no imóvel e que este foi entregue dentro do prazo assinalado pelo Contrato.
No Evento 40, o Requerido juntou fotografias pertinentes à realização de reparos no imóvel feitos pela Requerida, apontando que tal ato visou obstar a condenação nesta demanda.
Como medida instrutória, foi realizada perícia de engenharia, a qual resultou no Laudo do Evento 165, complementado no Evento 183.
Ambas as partes puderam se manifestar sobre o trabalho pericial.
A ele acrescenta-se que o(s) pedido(s) inicial(is) foi(ram) rejeitado(s), porquanto o inadimplemento partiu da própria contrutora autora, e a reconvenção parcialmente acolhida, nos seguintes termos:
Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente Ação de Rescisão de Contrato Cumulada Com Reitegração de Posse e Reparação de Perdas e Danos ajuizada por Construtora e Incorporadora Spindola LTDA, qualificada, contra M. H. D. S., qualificado, e M. C. D. S., qualificada, nos termos do art. 487, I do CPC.
Acolho a Reconvenção apresentada por M. H. D. S., qualificado, e M. C. D. S., qualificada, contra Construtora e Incorporadora Spindola LTDA, qualificada, condenando a Reconvinda a viabilizar a realização do financiamento bancário do imóvel, ficando condicionado a tal providência o direito de exigir o pagamento do restante do preço. Condeno ainda a Reconvinda a sofrer o abatimento do preço correspondente ao valor da multa contratual por atraso na entrega do bem, incidente sobre o período de janeiro de 2015 a abril de 2017, valor a ser objeto de liquidação de Sentença. Igualmente fica condenada a promover o abatimento do preço correspondente ao valor necessário para a realização dos reparos de infiltrações e deterioração do reboco, bem como do tratamento de fissuras externas e internas no imóvel.
Por fim, fica a Requerente condenada ao pagamento de custas e honorários de sucumbência, estes no importe correspondente a R$ 3.000,00 relativos ao processo principal, e 15% do valor da condenação na demanda de Reconvenção, nos termos do art. 85, §8º e 2º do CPC (evento 196, SENT1).
Os embargos de declaração opostos à sentença foram rejeitados (evento 208, SENT1).
No apelo, a parte autora sustentou, em preliminar, que a não oportunização da produção de prova testemunhal importou em cerceamento do seu direito de defesa, requerendo a desconstituição da sentença. Relativamente ao mérito, alegou: a) que os apelados não comprovaram a suposta negativa de financiamento no tempo oportuno, o que configuraria o inadimplemento deles; b) que deve ser considerada a data do habite-se - 23/04/2015 - como efetiva entrega das chaves, afastando-se a multa mensal contratual; e c) que os apelados não comprovaram a existência dos supostos vícios construtivos, ônus que lhes competia (evento 219, APELAÇÃO1).
Contrarrazões no evento 224, CONTRAZAP1, com alegação de ausência de dialeticidade.
É o relatório.
VOTO
1 – Admissibilidade
1.1 – Preliminar em contrarrazões
O apelado argui a inadmissibilidade do recurso por ausência de dialeticidade com conteúdo da sentença, fundamentando que "tais pedidos foram postados no apelo sem um mínimo de fundamento fático e jurídico para sustentá-los" (evento 224, CONTRAZAP1).
Razão parcial lhe assiste
É que, no tocante à alegada entrega das chaves na data do habite-se, a apelante deixou de impugnar de forma específica e articulada o fundamento adotado na sentença para desconsiderá-la, no seguinte sentido: " [...] a comprovação da data de expedição do "habite-se" é insuficiente para demonstrar a data de entrega das unidades. Sobre o procedimento na entrega das chaves do imóvel ao adquirente, previu o Contrato (Evento 1.7, cláusula 5º § único): 'Em qualquer caso, como condição para que ocorra a entrega, a unidade habitacional será objeto de prévia inspeção pelos COMPRADORES, para a qual a VENDEDORA o convocará, com a antecedência mínima de três dias, através de qualquer forma legal de convocação, devendo os COMPRADORES assinar no ato o 'Termo de Inspeção e de Recebimento', onde fará consignar o perfeito estado em que se encontra o imóvel ou, se for o caso, anotará os defeitos visíveis eventualmente constatados, para as providencias corretivas devidas pela VENDEDORA'" (evento 196, SENT1).
A construtora apelante limitou-se a afirmar o seguinte:
[...] no tocante ao termo final considerado para a efetiva entrega do empreendimento entende-se que deve ser considerada, diversamente do fixado na r. sentença recorrida, a data da expedição do “habite-se”, posto que se trata de documento fornecido pela Administração Pública que atesta a viabilidade de uso e habitabilidade do imóvel.
Sobre a questão, mais especificamente no que se refere à eventual indenização a título de aluguéis por ser privado o promitente comprador do uso do imóvel, esse e. , em decisão recente, se posicionou como acima mencionado, ou seja, pela data da concessão do “habite se”.
[...]
Como afirmado na r. sentença recorrida, o competente “habite-se” foi expedido no dia 23/04/2015, ou seja, com mínimo atraso considerando o prazo contratual estabelecido a título de tolerância por atraso (evento 219, APELAÇÃO1. p. 22 e 23).
Não houve nenhuma impugnação direta ao fundamento da sentença, baseado em previsão contratual específica, capaz por si só de sustentar a solução adotada pela magistrada.
Assim, em razão da manifesta ausência de dialeticidade, o recurso é inadmissível nessa extensão.
Neste sentido: Apelação n. 5002262-71.2021.8.24.0060, do , rel. André Carvalho, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 09-04-2024; Apelação n. 0002419-70.2010.8.24.0075, do , rel. Getúlio Corrêa, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 09-04-2024; Apelação n. 5004880-86.2022.8.24.0081, do , rel. Luiz Felipe Schuch, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 21-03-2024; Apelação n. 5001481-59.2023.8.24.0034, do , rel. Helio David Vieira Figueira dos Santos, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 15-02-2024.
Mas, ainda que assim não fosse, não haveria como acolher a data do habite-se como termo final da obrigação. Isto porque, a jurisprudência pátria é firme em diferenciar a conclusão administrativa da obra da efetiva entrega do bem ao consumidor, estabelecendo que a mora da construtora persiste até a entrega das chaves.
Neste sentido, vale citar:
APELAÇÃO - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - ATRASO NA ENTREGA DA OBRA – PARCIAL PROCEDÊNCIA – INCONFORMISMO DA RÉ – REJEIÇÃO – Mora da construtora – O termo final da obrigação da construtora de entregar o imóvel deve ser a data da efetiva entrega das chaves e não a data da expedição do habite-se – Súmula 160, do TJSP – Cumprimento da obrigação que se dá somente quando disponibilizada a unidade com a entrega das chaves, não sendo admissível mera vistoria como prova da entrega - Lucros cessantes – Admissibilidade - Sobrevindo atraso culposo na entrega do imóvel, a partir de então e até a efetiva entrega das chaves, é devida indenização por lucros cessantes que dispensam prova efetiva - Súmula 162 do E. TJSP – Adequada fixação no importe de 0,5% do valor corrigido do contrato, por mês de atraso – Previsão contratual deste percentual no caso de atraso na entrega da obra – IPTU e despesas condominiais - Encargo inerente ao uso e fruição do bem, que se inicia com a posse - Sentença mantida – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
(TJSP - Apelação Cível: 10001196820208260704 São Paulo, Relator.: Alexandre Coelho, Data de Julgamento: 16/02/2022, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/02/2022).
APELAÇÕES CÍVEIS - PRELIMINAR EM CONTRARRAZÕES -INOVAÇÃO RECURSAL - ACOLHIMENTO - NÃO CONHECIMENTO PARCIAL - PRETENSÃO INDENIZATÓRIA - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL - TERMO FINAL DA MORA - CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA - INVERSÃO - POSSIBILIDADE - PARÂMETRO - VALOR DO LOCATIVO - CUMULAÇÃO COM LUCROS CESSANTES - IMPOSSIBILIDADE - BIS IN IDEM - CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS - TERMO INICIAL - DANOS MORAIS - NÃO CONFIGURADOS. 1. A alteração da narrativa, nas razões do recurso de apelação, para sustentar a inadimplência do promissário comprador no período de entrega da obra, para fins de aplicação da exceção do contrato não cumprido, configura verdadeira inovação recursal, ensejando parcial inadmissibilidade recursal. 2. A efetiva entrega das chaves do imóvel ao comprador é o fato que impõe termo final à mora da construtora, sendo irrelevante a data de expedição do habite-se. [...] (TJMG - Apelação Cível: 0498403-39.2014.8.13.0024, Relator.: Des.(a) Marcelo de Oliveira Milagres, Data de Julgamento: 30/04/2024, 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 30/04/2024).
DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL . MULTA CONTRATUAL MENSAL. JUROS DE MORA. RECURSO NÃO PROVIDO. [...] II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há quatro questões em discussão: (i) se a multa contratual por atraso deve ser fixada em percentual único de 2%; (ii) se os juros de mora podem incidir sobre a multa; (iii) qual deve ser o termo final para a aplicação da multa; (iv) se o percentual de 0,5% deve ser reduzido para 0,3%. III . RAZÕES DE DECIDIR [...]. 3. O termo final da multa deve ser a data da entrega das chaves e não a expedição do habite-se ou a baixa da hipoteca, uma vez que a mora da construtora só cessa com a efetiva disponibilização do imóvel ao comprador. [...]
(TJAM - Apelação Cível: 06224333620158040001 Manaus, Relator.: Domingos Jorge Chalub Pereira, Data de Julgamento: 04/11/2024, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 13/11/2024).
1.2 – Preclusão
Não há como conhecer do recurso no que toca ao alegado cerceamento de defesa, visto que a oitiva das testemunhas foi dispensada em audiência, sem qualquer insurgência registrada em ata (evento 66, TERMOAUD110), tampouco nas alegações finais que sucederam ao ato (evento 70, ALEGAÇÕES111).
Assim, ainda que se tratasse de questão de ordem pública, uma vez decidida, precluiu e não pode ser rediscutida.
Neste sentido:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PORTO DE SÃO FRANCISCO - GRATIFICAÇÃO DE RISCO PORTUÁRIO - DISPENSA DA FASE DE INSTRUÇÃO PELA PARTE - PRECLUSÃO LÓGICA - AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. 1. A parte tem direito à instrução, uma decorrência do devido processo legal. Mas cabe ao magistrado gerir o processo, avaliando a necessidade e a pertinência dos requerimentos das partes. Além disso, descabem comportamentos contraditórios: se o litigante abdica de um meio de prova, não pode depois retroceder; houve preclusão lógica (TJSC, ApCiv 0003372-08.2012.8.24.0061, 5ª Câmara de Direito Público, Relator para Acórdão HÉLIO DO VALLE PEREIRA, D.E. 14/07/2022).
EMENTA: APELAÇÃO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. [...] PRECLUSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DOS DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS ARROLADAS PELOS APELANTES. VÍDEOS QUE DEMONSTRAM OS PROCURADORES DOS AUTORES ORIENTANDO AS TESTEMUNHAS NO CORREDOR DO FÓRUM, ANTES DA AUDIÊNCIA, POR CONSIDERÁVEL LAPSO TEMPORAL. DEPOIMENTOS EIVADOS DE MÁCULA. DECISÃO MANTIDA. [...] DECISÃO EXTRA PETITA EM RAZÃO DA DETERMINAÇÃO DE JUNTADA DE CÓPIA DA GRAVAÇÃO DO SISTEMA INTERNO DO FÓRUM PARA AVERIGUAR A ORIENTAÇÃO DE TESTEMUNHAS. QUESTÃO DECIDIDA NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO, SEM PROTESTO PELA APELANTE. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELA CÂMARA COMERCIAL. PRECLUSÃO E SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. [...]. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, ApCiv 5094777-08.2022.8.24.0023, 2ª Câmara de Direito Comercial, Relator para Acórdão GETÚLIO CORRÊA, julgado em 03/12/2024) (destacou-se).
3. O cerceamento de defesa não se configura, uma vez que a parte autora, embora tenha inicialmente indicado as provas que pretendia produzir, optou, voluntariamente, por dispensar a audiência de instrução, entendendo que o feito não demandava dilação probatória. 4. Não cabe à demandante dispensar a produção de provas, quando instada a tal, por entender desnecessária a dilação probatória, e transferir ao órgão julgador, sabidamente imparcial, a tomada de decisão no sentido de se ela instruiu ou não adequadamente o feito, a fim de impor a fase instrutória. Permitir que, após eventual desfecho desfavorável, a parte possa imputar ao magistrado a omissão na determinação de diligências que ela própria dispensou implicaria quebra da paridade processual e desequilíbrio frente à parte adversa (TJSC, ApCiv 0310633-03.2018.8.24.0008, 6ª Câmara de Direito Civil , Relator para Acórdão MAURO FERRANDIN , D.E. 29/07/2025)
1.3 – Demais requisitos
No mais, o recurso deve ser conhecido, uma vez que tempestivo e presentes os demais requisitos de admissibilidade.
3 – Mérito recursal
3.1 – Negativa de financiamento
A apelante defende que os apelados não comprovaram a suposta negativa de financiamento bancário no tempo oportuno (30/11/2014), o que configuraria a culpa deles, e não sua, pelo inadimplemento.
Sem razão.
Ao contrário do alegado, competia aos ora apelados comprovar a existência de fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direto defendido na inicial (CPC, art. 373, II). E, neste sentido, tal como constou na sentença recorrida, a prova apresentada na contestação foi suficiente, fazendo-se oportuna a reprodução do correspondente excerto:
a) Da alegação dos Requeridos de ausência de culpa pela mora no pagamento do preço.
Primeiramente, verifico que o pedido da empresa Requerente de rescisão do contrato e devolução do imóvel funda-se no atraso do pagamento da última e mais onerosa parcela do preço. Tal circunstância foi confessada pelos Requeridos.
No entanto, houve a alegação de que a mora não lhes é imputável, visto que a parcela não foi paga em razão da impossibilidade de financiamento do bem, operação inviabilizada por dívidas fiscas e trabalhistas da Requerente.
Tal argumento é viável para demonstrar a ausência de culpa/imputabilidade do atraso ao devedor. Os Requeridos buscaram provar tal impedimento apresentando os documentos presentes nos Eventos 30.48 [evento 30, INF48] e 30.49 [evento 30, INF49] (certidão positiva de ações cíveis e trabalhistas) e no Evento 30.50 [evento 30, INF50], em que documento emitido pelo Bradesco enumera como um dos requisitos para o financiamento de imóvel, cujo vendedor seja pessoa jurídica, que este apresente certidões negativas de ações cíveis, CND do INSS, e de ações da Justiça Federal.
Quanto à circunstância, a Requerente nada comprovou, alegando unicamente que os débitos não obstariam o alcançe do financiamento, e que a possibilidade de pagamento mediante empréstimo bancário não configurava uma imposição, senão uma mera possibilidade, que poderia não se concretizar.
Neste contexto, entendo que os documentos apresentados pelos Requeridos são aptos a comprovar o impedimento na realização do financiamento, possibilidade assegurada pelo Contrato ao aderente, mostrando-se inviável a retirada de tal direito do consumidor, que, no mais das vezes, depende de financiamento para a aquisição de bens de considerável valor, como a residência própria. Sobre o tema, dispôs o Contrato (EVENTO 1.7, página 02 ) [evento 1, INF7]:
4.4 - R$ 172.152,49 (...) equivalente a 145.50475 CUB's Florianópolis-SC, a serem pagos até a data de entrega das chaves datada para novembro de 2014, valor este a ser atualizado pelo CUB mensalmente, até os respectivos pagamentos. O valor poderá ser financiado através de instituição financeira.
Diante da dicção da cláusula acima, entendo que não há interpretação que possa subtrair do consumidor a possibilidade de pagamento via financiamento bancário, vantagem que lhe é decisiva para a celebração do pacto. Havendo tal direito contratual, dele pode o consumidor abrir mão, caso detenha recursos para pagamento à vista, de modo independente. Lado outro, necessitando realizar o financiamento para quitar o preço, tal via lhe deve ser assegurada. É o que prevê o art. 30 do CDC, ao definir que a oferta deve ser cumprida tal como realizada:
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
Portanto, prometida a possibilidade de financiamento bancário, este deve ser viabilizado pela empresa alienante.
Nesse contexto, já se vislumbra fundamento de fato e de direito para a recusa na quitação do preço, circunstância para a qual, em verdade, colaborou a Requerente, ao inadimplir débitos capazes de obstar a realização do financiamento bancário para aquisição de imóvel que alienou.
Possivelmente, por tal quadro de desorganização em sua atuação, a Requerente afirmou que entregou as chaves do imóvel, malgrado não quitado o preço. Ressalto que o Contrato previu a entrega das chaves somente após a quitação do total, exigência que não parece haver sido mantida pela Requerente na ocasião. Assim, entregou o imóvel, a despeito de não haver sido paga a última parcela do preço. (Item 4, alínea 4.4 do contrato).
Nesse contexto, entendo envidenciado o descumprimento contratual por parte da empresa Requerente, motivo pelo qual deixo de imputar responsabilidade aos Requeridos pelo atraso no pagamento do preço (evento 196, SENT1).
Vale acrescentar ainda que apenas em abril de 2016 foi individualizada a matrícula do imóvel objeto da contratação (evento 30, INF51), motivo pelo qual não havia razão para que os apelados buscassem o financiamento bancário em data anterior, sem o indiscutivelmente necessário documento para a averbação do gravame.
Assim, porque a apelante, por sua vez, não comprovou a disponibilidade do financiamento, escorreita a conclusão pela ausência de culpa dos apelados pelo inadimplemento da última parcela.
3.2 – Vícios construtivos
Sob o fundamento de que os apelados não comprovaram a existência dos supostos vícios construtivos, a apelante almeja o afastamento do dever de abatimento do preço.
Melhor sorte não lhe socorre.
As fotografias e solicitação de providências pelo condomínio que instruíram a reconvenção (evento 30, INF52 ao evento 30, INF72) serviram de início de prova documental (CPC, art. 373, I).
Por outro lado, cabia à ora apelante comprovar a alegada inexistência de defeitos (CPC, art. 373, II), por exemplo, mediante a apresentação do "Termo de Inspeção e de Recebimento" previsto no instrumento contratual, documento "onde fará consignar o perfeito estado em que se encontra o imóvel ou, se for o caso, anotará os defeitos visíveis eventualmente constatados, para as providencias corretivas devidas pela VENDEDORA" (evento 1, INF7, cláusula 5º § único, p. 5), o que não fez.
De mais a mais, a prova técnica produzida na origem, ao concluir pela "existência de vícios construtivos na unidade residencial de nº 606 do Condomínio Residencial Ana Beatriz elencados no Capitulo 11.5 - Infiltrações e 11.6 – Deterioração do Reboco" (evento 165, LAUDO2), ratificou o direito pleiteado pela parte reconvinte - de abatimento do preço.
Sem a necessidade de delongas, portanto, deve-se negar provimento ao recurso.
4 – Honorários recursais
A fixação dos denominados honorários recursais está prevista no artigo 85, § 11, do CPC, nos seguintes termos:
O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
Sobre essa importante inovação legislativa, vale ver que a Segunda Seção do Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 0301261-67.2017.8.24.0007/SC
RELATOR: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR
EMENTA
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CULPA DA VENDEDORA PELO INADIMPLEMENTO DO COMPRADOR. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação cível interposta por construtora contra sentença que julgou improcedente seu pedido de rescisão contratual e reintegração de posse e acolheu parcialmente a reconvenção dos compradores, por reconhecer a culpa da vendedora pelo inadimplemento da parcela final e a existência de vícios construtivos no imóvel aptos ao abatimento no preço.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. As questões em discussão consistem em: (i) analisar as preliminares de cerceamento de defesa e de ausência de dialeticidade recursal; (ii) definir a culpa pelo inadimplemento da parcela final do contrato, apurando se a vendedora obstou o financiamento bancário a ser obtido pelos compradores; e (iii) verificar a existência de vícios construtivos que justifiquem o abatimento do preço.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. O recurso é inadmissível em relação à alegação de que a data do "habite-se" deveria ser considerada a data de entrega das chaves, pois não houve impugnação específica e articulada ao fundamento da sentença, baseado em previsão contratual específica, capaz por si só de sustentar a solução adotada pela magistrada. Fica, assim, caracterizada a ausência de dialeticidade. Mas, ainda que assim não fosse, não haveria como acolher a alegação recursal porque a jurisprudência pátria é firme em diferenciar a conclusão administrativa da obra da efetiva entrega do bem ao consumidor, estabelecendo que a mora da construtora persiste até a efetiva entrega das chaves.
4. Conforme consta no termo de audiência, as partes concordaram com a tentativa de autocomposição em 120 dias, findo o qual, sem acordo, estaria dispensada a prova testemunhal, abrindo-se prazo para alegações finais. Assim, havendo concordância com a dispensa da prova e pedido de julgamento da causa em alegações finais, a alegação recursal de que a prova oral seria necessária esbarra na preclusão lógica, razão pela qual não há como acolher a preliminar de cerceamento de defesa.
5. Configura-se a culpa da vendedora pelo não pagamento do saldo devedor quando sua própria conduta (existência de débitos fiscais/trabalhistas e ausência de individualização da matrícula) impede que os compradores obtenham o financiamento bancário previsto como modalidade de pagamento no contrato, aplicando-se a exceção do contrato não cumprido.
6. A comprovação de vícios construtivos por meio de prova documental e laudo pericial, somada à inércia da construtora em provar o perfeito estado do imóvel na entrega, autoriza o abatimento do preço, nos termos do art. 442 do Código Civil.
IV. DISPOSITIVO
7. Apelação cível parcialmente conhecida e, na parte conhecida, desprovida, com majoração dos honorários de sucumbência.
Dispositivos relevantes citados: CC, arts. 442 e 445, § 1º; CPC, arts. 85, § 11, e 373, I e II; CDC, art. 30.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt nos EREsp 1.539.725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, DJe 19.10.2017.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos do decidiu, por unanimidade, a) conhecer em parte do recurso e, nesta, negar-lhe provimento; e b) de ofício, com base no artigo 85, § 11, do CPC, mantidas as bases de incidência adotadas na sentença, majorar os honorários de sucumbência em R$ 500,00 (quinhentos reais), relativamente ao processo principal, e em 2% (dois por cento), na reconvenção, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 12 de novembro de 2025.
assinado por LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR, Desembargador Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6911774v10 e do código CRC 849832fc.
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Signatário (a): LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 18/11/2025
Apelação Nº 0301261-67.2017.8.24.0007/SC
RELATOR: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR
PRESIDENTE: Desembargador MARCOS FEY PROBST
PROCURADOR(A): MONIKA PABST
Certifico que este processo foi incluído como item 89 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 12/11/2025 às 16:06.
Certifico que a 3ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª CÂMARA ESPECIAL DE ENFRENTAMENTO DE ACERVOS DECIDIU, POR UNANIMIDADE, A) CONHECER EM PARTE DO RECURSO E, NESTA, NEGAR-LHE PROVIMENTO; E B) DE OFÍCIO, COM BASE NO ARTIGO 85, § 11, DO CPC, MANTIDAS AS BASES DE INCIDÊNCIA ADOTADAS NA SENTENÇA, MAJORAR OS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA EM R$ 500,00 (QUINHENTOS REAIS), RELATIVAMENTE AO PROCESSO PRINCIPAL, E EM 2% (DOIS POR CENTO), NA RECONVENÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR
Votante: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR
Votante: Desembargador Substituto GUSTAVO HENRIQUE ARACHESKI
Votante: Desembargador MARCOS FEY PROBST
CLEIDE BRANDT NUNES
Secretária
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